A Vida Alheia

Estava dentro de um transporte coletivo, daqueles onde vocês ficam apertados na porta e sempre tem um individuo tocando com um celular ouvindo aquela musica que você mais odeia.

O carro não estava cheio ainda quando passou por um ponto de ônibus e entrou um casal eufórico, se agarrando e se beijando como se o mundo fosse acabar em alguns minutos. Eles se agarraram tanto que até agora eu tenho a quase certeza de que a perna que a mulher passou a mão duas vezes era a minha, e não dele.  Então o celular da moça toca. Ela olha o numero com cara de preocupada, faz um sinal para que o rapaz faça silencio e atende com uma voz suave:

“Ooii, amor...”

Todos dentro do carro se olharam, sem entender nada, ou melhor, entendendo tudo.

“Eu? Eu estou indo pra casa da Julia. Como “que Julia”, amor? A Julia do trabalho. Vou dormir lá, mas amanha cedinho eu passo na sua casa, tá?! To morrendo de saudade.”
Como ela pode!...
A essa altura o rapaz que acompanhava a moça parecia um tomate de tão vermelho. Ficou um clima de constrangimento danado no ar. Eles até pararam de se agarrar. De repente, outro celular toca. É o celular de um rapaz arrumado sentado na minha frente. Ele olha quem é, se ajeita no banco como quem diz “olhem e aprendam”, e atende:

“Oi, linda. Claro, tudo ótimo”

As pessoas se olhavam mais aliviadas. Até que em fim uma pessoa normal...

“Estou indo pra casa. Sim, sim. O que? Como não? Sei, sei.”

Ele baixa a cabeça e fica falando baixinho, tentando esconder o que diz, e continua:

“Vai dormir na casa da Paula, da faculdade? Ta bom. Também te amo. Não é nada não. Está tudo bem sim. Beijo, Xau.”

Ele desliga o celular, passa a mão no cabelo e dá um leve suspiro, como um condenado que caminha para a forca. O casal se olhou, segurando o riso. Olhares surpresos tomaram conta de todo o lugar. O único que não demonstrava  nenhuma reação era eu. Eu estava ocupado demais pensando como iria transformar aquela historia em texto.

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Acharam o fim da página... Uma salva de palmas para Sherlock Holmes, nosso mais paciente e ilustre leitor!